Quando criei A Página do Monteiro tinha em mente auxiliar os novos praticantes da Caça Maior na aquisição de princípios, regras e tradições que possibilitassem a prática deste tipo de caça de forma ética e desportiva. Assim sendo tudo o que tenho escrito, publicado e divulgado vai no sentido da fruição racional dos recursos cinegéticos, na protecção equilibrada da Natureza e do Ambiente e na manutenção das espécies bravias enquanto património de todos.

Nestes termos fui sempre um defensor acérrimo da Montaria Tradicional enquanto processo de Caça Maior genuíno, autêntico e especifico de uma cultura , de uma região e até de um povo.

Sempre que tentei explicitar regras e princípios sobre a Montaria Tradicional havia quem perguntasse qual a origem de tais normas e princípios e onde se encontravam consignados. Pois bem, aqui está a origem das normas. Data de 1994 e foi subscrita pelas maiores e mais representativas organizações do sector da Caça que congregam centenas de milhares de praticantes em toda a Península Ibérica.

Chamaram-lhe " MANIFESTO DA MONTARIA" e assumiram, todos, a sua ampla divulgação para que uma tradição, uma cultura cinegética e uma forma de nos relacionarmos com a Natureza não se percam e perdurem para sempre.

A Página do Monteiro fazendo jus ao espírito para que foi criada, contribui desta forma singela para a divulgação dos princípios que norteiam a Montaria Tradicional exibindo nesta espaço a tradução para Língua Portuguesa do Manifesto da Montaria.

 

 

MANIFESTO DA MONTARIA

A Delegação Espanhola do Conselho Internacional da Caça e da Conservação da Natureza (C.I.C.), a Federação Espanhola de Caça, a Junta Nacional de Homologação de Troféus, o Clube de Monteiros e as Associações de Produtores de Caça (A.P.R.O.C.A) de Castilla-La Mancha, Andaluzia, Castilla e Leon e da Extremadura (A.P.R.O.C.N.EX.) conscientes do risco de desaparecimento dos princípios tradicionais que ao longo de séculos deram à Montaria a sua singularidade e caráter, acordam a divulgação deste manifesto com o propósito de manter e defender a essência de uma actividade fundamental para a nossa Caça Maior.

Declaração Preliminar

A defesa da Caça e da sua cultura como actividade integrada na socioeconomia do mundo rural e do ócio e a defesa da Natureza passam pela melhor gestão e bom uso possíveis dos recursos cinegéticos.

A Montaria, praticada ao longo de oito séculos é o espelho da Caça maior espanhola (Ibérica) com características que a tornaram única no contexto das técnicas de caça a nível mundial.

O esquecimento das suas normas consuetudinárias por parte de promotores ou de praticantes pouco rigorosos e a evolução dos métodos de exploração do mundo rural arrastam a Montaria para um descrédito pernicioso que afeta toda a Caça.

Por outro lado, as regulamentações venatórias têm-se tornado cada vez mais intervencionistas sem pontos de referência reais com os interesses que elas próprias administram pelo que é imprescindível a participação de todos os caçadores neste assunto a fim de possibilitar ao nível decisório o conhecimento dos princípios fundamentais e tradicionais das actividades que ao longo da história conseguiram não só um equilíbrio racional dos recursos como também a manutenção dos territórios em ótimas condições naturais.

Torna-se assim imperioso e por tanto, proteger a Montaria Clássica através de uma reorganização do seu exercício aconselhando todos os intervenientes a assumirem as práticas que sempre foram consideradas como essenciais para este modelo e para o seu prestígio.

Este manifesto não pretende de forma alguma que a Montaria seja um compêndio de rituais anacrónicos nem que suponha a exigência de práticas contrárias ao nosso tempo. Entenda-se que a montaria pode evoluir juntamente com as circunstâncias venatórias actuais sem contudo perder os seus valores, adaptando-se perfeitamente às características da moderna gestão da Caça Maior e das pretensões dos monteiros atuais.

Por outro lado os signatários desejam ainda manifestar a sua preocupação pelo aumento das práticas de caça maior tendentes a garantir os resultados através de fórmulas artificiais de criação e de adaptação das reses e aos melhoramentos dos locais de caça. Estas acções confundem a autenticidade da Montaria por serem praticadas em condições que não só adulteram a sua essência como também não se justificam.

Recompilação da Normas de Montaria

Para os fins propostos considerou-se que a compilação das regras fundamentais para realizar corretamente uma Montaria pode resultar num instrumento de grande utilidade por estabelecer referências importantes que sejam consideradas por todos como indispensáveis. Estas regras que se expressam sob a forma de Recomendações foram organizadas de acordo com a sugestão do Conselho da Europa de 1985 no que se refere à elaboração de um Código de Conduta para o caçador.

No que se refere ao texto apresentado na parte “ Recomendações Elementares” alertamos para o facto do esquecimento de muitas delas apenas contribuir para desvirtuar um exercício cuja grandeza reside na manutenção das suas tradições e do bem-fazer. Apesar das Recomendações se dirigirem aos diferentes intervenientes na montaria o seu conhecimento pretende contribuir para a formação de uma consciência global que proporcione aos praticantes a definição de um estilo e de uma forma de estar.

DECLARAÇÃO FINAL

As Instituições que subscrevem este Manifesto concordaram:

- PROMOVER a divulgação das presentes Recomendações por todos os meios ao seu alcance afim de que estas cheguem ao conhecimento geral do mundo da Montaria.

- SOLICITAR a todos os monteiros seja qual for a sua condição ou experiência a adopção das presentes Recomendações como guia básico da sua actividade.

- MANTER a vigência destas Recomendações fazendo com que as mesmas sejam integradas no espírito e na norma das regulamentações administrativas.

- FOMENTAR a observância das Recomendações mediante a criação de prémios anuais que distingam de forma pontual as mais destacadas actuações contidas na finalidade do Manifesto.

OUTUBRO DE 1994

 

I – RECOMENDAÇÕES PARA OS ORGANIZADORES DE MONTARIAS

       1.   Sobre a marcação dos postos na mancha:

1.1.             Estudar com tempo e com o maior detalhe possível a mancha a montear, para definir convenientemente os seus limites e a forma como deve ser batida.

1.2.            Marcar os postos de forma a que estes fiquem correctamente colocadas tanto do ponto de vista da segurança dos monteiros e restantes auxiliares como do ponto de vista das linhas de fuga da caça.

1.3.            Se os postos se situarem em aceiros garantir que estes tenham o traçado conveniente (em termos de segurança) e a limpeza desejável. Deve evitar-se a marcação de postos que revelem riscos de segurança e os que fiquem na proximidade de vedações de qualquer tipo.

1.4.            Evitar sempre a marcação excessiva de postos numa mancha, avaliando com rigor aqueles que a mancha admite realmente e com segurança.

     2.  Sobre o Diretor de Montaria e restantes auxiliares:

2.1.    Designar sempre um Diretor de Montaria, sublinhando a sua autoridade e fazendo respeitar todas as suas decisões sobre

         eventuais conflitos de tiro ou de primeiro sangue que possam apresentar-se.

2.2            Assegurar que todos os postores conhecem perfeitamente a localização dos postos que têm de colocar, bem como a forma de serem ocupados. No fim da montaria estes devem garantir que todos os postos são recolhidos e ajudar na recolha das reses abatidas.

2.3            Organizar com razoabilidade a movimentação e o estacionamento dos veículos de transporte na periferia da mancha, sem abusar da sua utilização.

2.4            Não permitir que se cortem e retirem os troféus no campo, garantindo uma recolha tão rápida quanto possível dos animais abatidos e a constituição do Quadro de Caça para que todos os presentes o possam apreciar.

2.5            Facilitar a todos os monteiros e dentro da medida do possível, as condições para que estes possam pistear as rezes por si feridas para que estas não fiquem perdidas no campo, procurando cobrá-las até ao limite do razoável. A busca por parte do Monteiro deve limitar-se às horas de luz dessa jornada.

     3. Sobre as Matilhas participantes:

3.1              Contratar as matilhas necessárias para que a mancha seja correctamente batida (sem excesso nem escassez de cães) e bem assim definir os locais de solta adequados e convenientes segundo as características de cada uma.

3.2            Proporcionar aos matilheiros o auxílio de guias que conheçam bem a mancha a caçar a fim de que estes possam respeitar os trajectos que lhes sejam definidos pelo organizador, e colaborar  no resgate dos cães eventualmente perdidos.

3.3            Recordar a verdadeira função das matilhas na montaria, seleccionando-as com base na eficácia, profissionalismo e ética dos matilheiros e evitando contratar matilhas de constituição ocasional ou que ofereçam poucas garantias de qualidade do seu trabalho.

3.4            Dedicar a matilheiros e proprietários a consideração devida elogiando-os e estimulando-os quanto disso for digna a qualidade do trabalho realizado.

4 - Sobre a participação dos Monteiros:

4.1     Possibilitar a todos os Monteiros a máxima informação possível sobre a mancha a caçar, facilitando-lhes esquemas da localização e de características, número e identificação das matilhas, instruções especificas impostas pela propriedade, bem como solicitar a colaboração de todos no sentido de manter o campo limpo.

 4.2    Exigir e fazer cumprir a pontualidade na chegada à concentração, cumprindo igualmente o horário estabelecido e necessário para atender todos e para montar a mancha. Definir processos que possibilitem que todos saibam quando termina a montaria a fim de que estes não se antecipem ou demorem a recolha por falta de guias ou de meios de transporte.

 4.3    Facilitar a integração do Monteiro nas características, desenvolvimento e nos resultados da montaria utilizando para o efeito as regras tradicionais de hospitalidade e bem fazer, e  apoiar a realização dos “noivados” zelando para que se realizem dentro das regras do aceitável.

II - RECOMENDAÇÕES PARA OS MONTEIROS

     1.   Sobre a atitude do Monteiro perante a Montaria:

1.1               Ter sempre presente que os resultados da montaria são aleatórios e podem estar sujeitos a circunstâncias alheias à vontade de organizadores e proprietários. Ninguém pode garantir os resultados a atingir pelo que não será justo valorizar a montaria em função dos resultados obtidos. Para este efeito deverão ser ponderados vários factores tais como a qualidade da organização, a atitude dos companheiros perante a caça bem como a qualidade das matilhas, em suma encarar a situação como um todo.

1.2              Recordar que nas montarias por convite devem reservar-se ao proprietário dois direitos: um o de escolher o posto a ocupar por cada Monteiro e outro o de reservar para a casa a propriedade dos troféus obtidos. Esta segunda situação implica que obrigatoriamente se peça autorização para retirar e levar consigo qualquer troféu.

     2.   Sobre a integração na Montaria:

2.1              Ser pontual na chegada à concentração, apresentando-se aos organizadores e companheiros. Permanecer atento a todas as instruções e sorteios e não demorar, com atrasos, a saída da sua armada.

2.2            Não abusar, por comodidade, do uso de veículos no interior da mancha bem como não transportar demasiados utensílios que complicarão sempre a deslocação da armada. É recomendável participar com roupa discreta usando, de preferência, trajes tradicionais.

2.3            Evitar levar acompanhantes para o posto ou então fazer-se acompanhar apenas por aqueles que forem indispensáveis, nunca dobrando o posto pois isso facilita o risco de acidentes para todos os presentes. Deve ser rigorosamente respeitada a regra de “duas pessoas uma única arma”. Durante a Montaria os acompanhantes deverão manter-se em silêncio e respeitar os ocupantes dos postos adjacentes.

2.4            Exigir ao postor que lhe indique a localização dos restantes postos da armada e sinalizar-se visualmente aos companheiros adjacentes no sentido de definir com rigor e segurança o campo de tiro possível. A segurança de todos os participantes deve constituir um factor primordial e acima de todos os outros.

     3.   Sobre as armas e a sua utilização:

3.1              Não utilizar armas inadequadas que permitam a perda de animais feridos. De igual modo não se deve atirar a distâncias excessivas uma vez que a probabilidade de efetuar um disparo certeiro é muito baixa. Para além disso o Monteiro deverá ser portador de uma faca de remate que lhe permita dar morte a um animal agarrado pelos cães ou cedê-la a alguém com experiência que necessite dela para esse efeito.   

3.2            As normas de segurança de tiro devem aplicar-se com o máximo rigor, recordando sempre que, dentro do mato andam matilheiros, ajudantes, guias e guardas, ocultos nos lugares mais inesperados. Por isso mesmo não se deve disparar para o horizonte ou para o alto dos cabeços e muito menos sobre um vulto ou movimento do mato que não tenha sido perfeitamente identificado.

3.3            A caminho dos postos as armas devem ser sempre transportadas desmontadas e/ou dentro de estojo apropriado sendo proibido disparar sobre qualquer animal que entretanto se mostre. As armas só serão carregadas depois de chegado ao posto e deverão ser descarregadas e guardadas imediatamente após o fim da Montaria.

3.4            Na mancha não deverão testar-se as armas nem sequer fazer tiro ao alvo mesmo que a Montaria já tenha terminado. Essas situações podem levar a acidentes, confusões entre o pessoal auxiliar e entre matilheiros e cães já que estes últimos deixarão de responder ao sinal de recolha.

     4.   Sobre a caça e o seu cobro:

4.1              Uma vez o colocado, o Monteiro não deverá nunca abandonar o seu posto a não ser em circunstâncias justificadas e nesse caso deverá comunica-lo claramente a todos os vizinhos da armada. Nunca se alterará a localização de um posto para atirar melhor às rezes ou para obter vantagem sobre as suas trajectórias de deslocação. É obrigatório permanecer no posto até que seja dada por terminada a Montaria.

4.2            Deverá respeitar-se sempre a corrida dos animais deixando-os “cumprir” no nosso posto, evitando de igual modo disparar às que, afastadas,  se podem dirigem aos postos adjacentes.

4.3            Respeitar sempre a regra do primeiro sangue. As dúvidas que possam ter lugar no terreno do lance devem ser resolvidas com cordialidade e correcção e em caso de impossibilidade deverá consultar-se o Diretor de Montaria cuja decisão será inapelável e respeitada por todos. Em todos os casos de dúvida é dever do Monteiro verificar se o animal foi ferido procurando sangue ou outros sinais no local do tiro e nas suas imediações. Verificando-se tais circunstâncias deverá ainda procurar cobrar o animal e/ou ajudar qualquer companheiro que esteja a desempenhar esta tarefa. Encontrado o animal deverá marcar-se o local de forma visível a fim de evitar demoras na sua recolha. Deve igualmente marcar-se o animal com a identificação do seu proprietário.

4.4            Terminada a montaria os participantes devem comunicar ao Diretor de Montaria todos os factos considerados relevantes tais como o número de animais vistos, possíveis defeitos de marcação do posto, comportamento das matilhas, entre outros, pois com esta informação estarão a contribuir para a futura melhoria da montaria naquela mancha.

     5.   Sobre o comportamento em relação aos cães:

5.1              O Monteiro obriga-se a respeitar os cães pois eles são a base da montaria. Um comportamento inadequado para com estes pode alterar todo o trabalho de preparação e de eficácia de uma matilha.

5.2            Não prender nem espantar com violência os cães que estejam a morder numa rês morta. Antes se deve deixar que o façam por momentos e logo depois enxotá-los sem dureza para que regressem ao seu trabalho na mancha.

5.3            Não disparar nunca a um animal cercado pelos cães uma vez que existe forte possibilidade de ferir ou matar alguns deles. Este perigo acentua-se em caso de agarre não devendo utilizar-se arma de fogo para o remate porque o ruído do tiro pode espantar os cães que em circunstâncias futuras deixarão o matilheiro ou o Monteiro sozinhos frente aos animais.

          Neste caso o remate deve ser realizado à faca e no caso de não se sentirem capazes do o fazer deverão aguardar a presença do matilheiro ou de outro Monteiro que saiba e seja capaz de o fazer.

5.4            Se por erro ou acidente qualquer Monteiro ferir ou matar um cão, deverá assumir a responsabilidade de tal ato e comunicar a situação ao organizador e ao matilheiro.

III – RECOMENDAÇÕES PARA OS PROPRIETÁRIOS DAS MATILHAS.

     1.   Sobre a Uniformidade da Matilha:

1.1.             Apresentar-se na montaria com o número suficiente de cães para a tarefa a desempenhar e de em função do que foi acordado, considerando-se que cada matilha deve ser constituída por 25 cães.

1.2.           Identificar os cães com marcas ou cores aplicadas nas coleiras para além da necessária placa de identificação e licenciamento. Aplicar aos cães de pelagem escura pequenos chocalhos ou outros sinais que permitam distingui-los quando dentro do mato.

1.3.            Se possível manter a matilha com o um tipo característico de cães de forma a criar um estilo próprio e uniforme.

1.4.        Solicitar aos matilheiros que, dentro da medida do possível, usem indumentárias e meios de chamada tradicionais, nomeadamente a caracola.

     2.   Sobre a participação na Montaria:

2.1              Cumprir rigorosamente os horários de chegada à concentração e /ou de solta dos cães, bater com profissionalismo e respeitar rigorosamente os trajectos definidos.

2.2            Respeitar a sua posição na linha das matilhas e os agarres, sem alterar o trajecto para facilitar aqueles a não ser em condições excecionais. Marcar visivelmente as rezes mortas dentro da mancha ou deslocá-las (quando possível) para onde seja mais fácil a sua recolha. 

2.3            Não levar para a montaria cães doentes e que possam contaminar os restantes bem como evitar caçar com cadelas em cio pelos inconvenientes que causam aos outros matilheiros e ao resultado da montaria.

2.4            Aceitar a prioridade do Monteiro no remate de uma rês agarrada pelos cães ou em sua salvaguarda quando este acontece nas proximidade de um posto e sempre que o respectivo matilheiro não tenha possibilidade de acudir ao agarre.

2.5            Comunicar às autoridades competentes e identificar aqueles que no fim da temporada ou durante as últimas montarias da época abandonam no campo os cães que não lhes interessam.

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